Em bate-papo com a equipe Copag, a psicóloga Caroline Braga Sirino debateu sobre saúde mental em tempos de pandemia e distanciamento social, dando dicas aos colaboradores de como lidar com esse período.

Além disso, a profissional respondeu algumas perguntas sobre o tema, que serão disponibilizadas logo abaixo.



1. COMO MANTER O BEM-ESTAR EM TEMPOS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL?

O fato de compreendermos a necessidade do isolamento social e outras medidas de controle da disseminação do vírus não diminui o impacto negativo em nossa saúde mental e integral. Por isso, além de nos adaptarmos às novas medidas sociais, ocupacionais e de segurança em saúde, é necessário manter a atenção e promover algumas ações intencionais de bem estar, a fim de gerenciar a ansiedade e o estresse potencializados pelo período de pandemia. Durante uma pandemia, é esperado que estejamos frequentemente em estado de alerta, preocupados, confusos, estressados e com sensação de falta de controle, principalmente neste contexto incerto.


As oscilações de humor, sinais e sintomas referentes ao desequilíbrio emocional e/ou o agravamento dos diagnósticos em saúde mental são esperados, dado o contexto. Dificilmente iremos escapar do mal-estar coletivo gerado pela pandemia, no entanto podemos direcionar nossa atenção para o que podemos controlar. O primeiro passo é parar e observar como estamos lidando com tudo. Apesar de todos serem impactados pela pandemia em algum nível, cada pessoa está lidando com recursos e desafios diferentes. Alguns foram impactados financeiramente, outros perderam pessoas queridas, talvez tiveram que deixar suspenso no tempo planos que estavam tão próximos, ou até mesmo lidando com todos esses desdobramentos e muitos outros. Quando paramos para sair do automático e observar como lidamos com todos esses desafios, conseguimos identificar por onde começar e intervir.


Não existe receita mágica ou que sirva para todo mundo da mesma forma. O que existe são os diferentes caminhos de cuidado. O principal caminho é lembrar que existe apoio profissional para ajudar a passar por esse período. Tudo bem buscar o cuidado através de psicólogos, médicos psiquiatras e outros profissionais de saúde.

Evitar comparações ajuda a descobrir o que funciona para você. Tente diminuir o nível de autocobrança. Tudo bem não estar bem o tempo todo e vivenciar sentimentos mais difíceis, como se sentir triste, assustado ou menos produtivo que o habitual. Reconhecer as emoções é um caminho de cuidado. Não é saudável negligenciar nossos sentimentos. Dessa forma, conseguimos elaborá-los e abrir espaço para outras sensações.


O cotidiano também exige uma rotina que inclua o autocuidado para promoção da nossa saúde integral. Vou deixar algumas dicas mais pra frente.



2. POR QUE A FALTA DE CONVÍVIO SOCIAL IMPACTA EM NOSSA SAÚDE MENTAL? COMO PODEMOS MELHORAR ISSO MANTENDO AS RESTRIÇÕES DE SAÚDE ADEQUADAS?


O convívio social é fundamental para o ser humano, para nossas relações, nossas conexões com a comunidade, com o nosso trabalho, além de ser uma fonte importante de gratificação, que produz substâncias que fazem bem ao organismo.

Estar isolado não é uma punição, estamos contribuindo para o bem comum. Tudo voltará ao normal em breve. Enquanto isso, podemos explorar a tecnologia para estarmos juntos, mesmo longe. Hoje, amar os nossos avós, nossos pais, as pessoas queridas das nossas vidas e que estão nos grupos de risco, é amar não dando beijo e abraço, mas mantendo distância física segura para que permaneçam saudáveis. Resgatar o velho e bom hábito de uma ligação telefônica, estar realmente presente ao enviar uma mensagem ou participar de uma chamada de vídeo fará a diferença.


Experimente participar de grupos de leitura, de filmes, de receitas e outros interesses. Pode ajudar a conectar as pessoas. E se você ainda não achou um grupo, que tal montar um?



3. COMO A PANDEMIA ESTÁ REFLETINDO EM NOSSAS EMOÇÕES E POR QUÊ?


Quando o ser humano enfrenta situações de crise, é comum que a nossa primeira reação seja o medo, com respostas autodefensivas e de sobrevivência. Alguns comportamentos compulsivos tendem a se intensificar quando estamos nesse lugar, e isso tem relação direta com a forma que estamos lidando com a nossa ansiedade. Por exemplo: exageros na alimentação, escolhas não saudáveis, excesso de álcool e cigarro e outras oscilações de comportamento.



Durante o isolamento, é esperado que estejamos frequentemente em estado de alerta, preocupados, confusos, estressados e com sensação de falta de controle principalmente neste contexto incerto. No entanto, não devemos achar que nada há a ser feito ou cuidado.


Podemos promover algumas ações intencionais de bem-estar para ajudar a gerenciar melhor a ansiedade e passar por esse período com mais qualidade de vida.


4. A BAIXA TOLER NCIA A TUDO, COMO PODEMOS VER ATUALMENTE, É REFLEXO DO DISTANCIAMENTO SOCIAL IMPOSTO PELA PANDEMIA? POR QUE ISSO OCORRE?


A baixa tolerância está ligada ao sentimento de frustração, que é uma reação emocional que surge quando queremos alcançar um objetivo e há algo que nos impede. A tolerância à frustração é uma componente essencial do bem-estar psicológico. Pessoas que lidam com imprevistos, com os obstáculos, tendem a persistir no alcance dos seus objetivos, o que pode contribuir para o seu bem-estar e para a motivação.


A pandemia é um grande potencializador de muitas questões sociais e fenômenos psicossociais. Mas, acredito que não podemos colocar a responsabilidade da nossa baixa tolerância sobre os ombros do distanciamento social. Obviamente, nossas válvulas de escape para o estresse e ansiedade foram suprimidas com o isolamento, e isso nos leva a maior irritabilidade, falta de paciência e outros. No entanto, a baixa tolerância antecede a pandemia.


O professor e filósofo sul coreano, Byung-Chul Han, diz que vivemos um fenômeno chamado “sociedade do cansaço”. Ele explica que o nosso sofrimento psíquico e nossas doenças mentais decorrem dos diferentes excessos de desempenho que essa ideia nos impõe. O excesso de positividade (positividade tóxica), a exigência de desempenho, a pressão pela comparação nas redes sociais, a ideia equivocada de ser multitarefas como algo positivo são alguns dos aspectos que compõe essa sociedade. Somos constantemente bombardeados com padrões impostos, como: aparência ideal; vida social agitada; status; e outros.


Muitas vezes esses padrões se tornam inalcançáveis, e quando nos deparamos com os muitos “nãos” no meio do caminho, nos frustramos, desanimamos e colocamos defeitos em nós mesmos por não termos alcançado a perfeição. Essa é a sociedade do desempenho, da eficácia, da pressa, do cansaço, onde não há espaço para reflexão ou para erro.



5. POR ONDE PODEMOS COMEÇAR A CUIDAR DA SAÚDE MENTAL DURANTE A PANDEMIA?


Para lidar com a ansiedade, medo e outras reações potencializadas pela pandemia e seus desdobramentos, a conscientização e multiplicação do cuidado em saúde mental é fundamental. A pandemia evidenciou que não priorizamos esse cuidado e não somos tão informados sobre o assunto. O nosso cuidado emocional e mental faz parte da nossa saúde integrada.

Em outras palavras, o autocuidado pode ser praticado a todo instante. Quando você toma uma decisão que visa o seu bem-estar psicológico, emocional e físico, está cuidando de você.


Comece descobrindo por onde começar (autocuidado físico, mental, social, emocional, financeiro) e dê o primeiro passo em direção ao seu cuidado.


6. DICAS PARA CUIDAR DA SAÚDE MENTAL DURANTE A PANDEMIA EM RELAÇÃO AO TRABALHO.



Iniciativas de bem-estar geram impactam tanto na vida profissional, quanto na vida pessoal.


- Evite o excesso de informações desnecessárias. É importante não ficar alheio às notícias do mundo, especialmente sobre a pandemia, que é real e presente. No entanto, informação em excesso pode gerar ansiedade. Procure assistir noticiários apenas uma ou duas vezes ao dia, e se lembre que você é capaz de filtrar conteúdos, cuidado com fake news e conteúdos compartilhados nas redes sociais. Sempre busque informações de fontes confiáveis;


- Estabeleça uma rotina, pois é importante definir horários para suas atividades diárias. Organize o seu tempo entre os momentos de trabalho (home office), descanso, tarefas de casa e tempo com as pessoas com quem você mora. Maratonas de série, filmes e pipoca são demais! Podemos aproveitar, mas não é sustentável ao longo de semanas e meses, quando fazemos apenas isso. Evite não fazer nada, a inatividade pode gerar desânimo. Você pode se manter ativo dentro de casa, tanto com atividades diversas para entretenimento, quanto para não entrar no sedentarismo;


- Desenhe sua rotina e mantenha a disciplina. Rotina matinal e noturna (banho, café da manhã, evitar checar mensagens e e-mails imediatamente após acordar, inicie sua manhã antes de iniciar a rotina de trabalho. Pesquise sobre a higiene do sono para ajudar na rotina noturna: acalmar a casa, diminuir as luzes, tomar um chá, evitar eletrônicos antes de dormir e outros);


- Alimente-se melhor. Aproveite para fazer boas escolhas na alimentação e descubra novos sabores. Organize melhor suas refeições e mantenha a qualidade dos hábitos alimentares. Pegue aquela receita guardada e coloque a mão na massa, envolva a família na preparação. Família na cozinha = responsabilidade compartilhada. Dividir as tarefas é essencial para ninguém se sobrecarregar;


- Estimule a criatividade. Descubra o que te faz bem, você é o maior conhecedor da sua própria rotina e do que gosta. Aqui vão algumas dicas para se inspirar: faça uma leitura leve; crie uma playlist no spotfy; assista a tedtalks; medite; movimente o corpo em algum aplicativo de exercício, faça alongamentos nas suas pausas.


Controlando a ansiedade


1° passo: compreender que a ansiedade é uma reação normal do nosso corpo quando nos sentimos ameaçados/sob estresse.

2° passo: respire! A respiração lenta e consciente ajuda a recuperar o ritmo cardíaco de forma equilibrada e promove o relaxamento.

3° passo: racionalize a situação. Por mais difícil que seja, é importante entender que está tudo bem, tente focar em uma coisa de cada vez. Algumas coisas controlamos e outras não.



7. DICAS PARA CUIDAR DA SAÚDE MENTAL DURANTE A PANDEMIA EM RELAÇÃO À VIDA PESSOAL.


• Escreva! A escrita terapêutica ajuda a redirecionar os problemas e preocupações, aliviando os sintomas de ansiedade. Coloque no papel os seus pensamentos e emoções, essa é uma ótima forma em te ajudar a reconhecer os próprios sentimentos.


• Medite! Estudos mostram os diferentes benefícios que a meditação promove para o nosso bem estar. A meditação auxilia a melhorar a concentração, relaxar e multiplicar pensamentos positivos.


• Exercite-se! Atividade física é um grande aliado no alívio da ansiedade e fundamental para a saúde física e mental.


• Faça atividades prazerosas, descubra atividades saudáveis e inclua na sua rotina de lazer: leitura, pintura, filmes, passeios e muitos outros. Explore suas possibilidades.


O acompanhamento de um profissional especializado no cuidado em saúde mental pode ser fundamental. Essas e outras atividades de bem-estar intencionais podem contribuir para gerenciar e melhorar a qualidade de vida durante o período de crise, no entanto um profissional de saúde mental pode ajudá-lo melhor a gerir os seus medos e a sua ansiedade através de técnicas e estratégias de regulação emocional. Busque ajuda profissional se necessário.


8. JOGOS PODEM AJUDAR NA SAÚDE MENTAL, COMO, POR EXEMPLO, JOGOS DE CARTAS (ONLINE OU PRESENCIAL)?



Cuidar da saúde mental também envolve cuidar da nossa cognição. Saúde mental também é ter qualidade de vida cognitiva, essa que envolve o nosso pensamento, a inteligência, a percepção, a compreensão e também a memória, entre outros aspectos. O processo cognitivo inclui a consolidação e a recuperação de toda informação que aprendemos.

Melhorar a memória e sua preservação são temas muito estudados, e até o momento se sabe que desenvolver atividades desafiantes, como jogos de raciocínio estimula a atividade cerebral a criar novas conexões. No entanto, não podemos nos limitar a essas estratégias, pois estes jogos, depois de aprendidos, dificilmente se tornam desafiantes o suficiente para o cérebro continuar a criar novas conexões, mas podem contribuir para treinar a atenção focada.


Nossa saúde mental também conta com dedicação a momentos de lazer, prazer e relaxamento. Descobrir aquilo que é saudável e faz bem para o nosso entretenimento é fundamental. Momentos assim nos auxiliam a gerenciar a ansiedade, estimular a criatividade, conectar com outras pessoas, tirar o foco de problemas ou impasses que não encontramos soluções, e ao retomar dessa “folga” conseguimos visualizar novas alternativas ou novas perspectivas. Jogos são válidos em uma busca equilibrada e saudável em conjunto com outras atividades do cotidiano. Ressalto a importância do cuidado para pessoas que lidam com transtorno de jogo compulsivo, portanto outras atividades podem ser escolhidas no lugar de jogos, além do tratamento com profissionais da saúde, que é fundamental. As atividades são inúmeras, o caminho do autoconhecimento é que nos levará a descobrir o equilíbrio e aquilo que nos faz bem.


9. COMO VOCÊ ACREDITA QUE FICARÁ A SAÚDE MENTAL DAS PESSOAS NO PÓS PANDEMIA?



Assim como esse período que vivemos é incerto, também não podemos afirmar com certeza quais serão as consequências na saúde mental das pessoas. O número de pessoas que sofrem com algum transtorno mental ou adoecimento emocional é crescente e essa estatística antecede a pandemia. Segundo a Organização Mundial de Saúde, o Brasil lidera o lugar de país mais ansioso do mundo, e também está entre os países com o maior número de diagnósticos de depressão. Ou seja, a saúde mental era um grande elefante branco no meio da sala negligenciado, e com a pandemia ficou visível para uma grande maioria a importância de se olhar para esse cuidado como algo essencial à nossa saúde integral.

Acredito que 2020 foi um marco para a saúde mental e que o futuro nos reserva cada vez mais investimento nessa área de cuidados.


Estudos indicam que o impacto psicológico durante períodos de isolamento e pandemias pode ser negativo. O mal-estar pode se instalar, nos fazendo ter que lidar com sintomas de estresse pós-traumático, sintomas depressivos e de ansiedade, tristeza, abuso de substâncias, estado confusional, irritabilidade, entre outros. Essa é uma realidade atual e provavelmente teremos que lidar com aumento desses diagnósticos e outros fenômenos psicossociais em um futuro próximo devido possíveis consequências desse período que estamos vivendo.


O aspecto positivo é que as pessoas estão mais próximas do cuidado em saúde mental, quebrando preconceitos sobre buscar apoio emocional e promovendo a conscientização de que todo cuidado conta e isso muda paradigmas.